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  • Foto do escritorMiguel Dias

Fauna urbana, doméstica e tráfico de animais silvestres


DWIH São Paulo


Cepas de coronavírus já foram identificadas em diversas espécies de animais, como tigres, leões, chimpanzés, esquilos, furões, gambás, cachorros, gatos e cavalos. Mas quando se trata de morcegos, coronavírus foram detectados em diferentes gêneros (Hipposideros; Taphozous; Mystacina; Rousettus), mas especialmente em morcegos do gênero Rhinolophus (R. affinis, R. macrotis, R. ferrumequinum, R. pearsoni, R. sinicus, R. pussilus, R. hipposideros) Li et al., 2005; Zhou et al., 2020; Andersen et al., 2020). Peculiarmente, coronavírus é capaz de transbordar para uma grande variedade de mamíferos, porém, aparentemente, não para as aves, répteis, peixes e (possivelmente) anfíbios (Lam et al., 2020).


É razoável sugerir que espécies proximamente aparentadas com organismos já contaminados por coronavírus possam ser susceptíveis (Guan et al., 2003; Lam et al., 2020). Mas o processo de rompimento de barreiras interespecíficas para ocorrência de spillover não é simples, múltiplos fatores precisam estar alinhados (Plowright et al., 2017). Mesmo assim, acontece o tempo todo na natureza, e faz parte do processo evolutivo das espécies. Para se ter ideia, cerca de 8% do genoma humano consistem de fragmentos retrovirais, e parte deles são remanescentes de processos seletivos impostos por doenças epidêmicas do passado (Subramanian et al., 2011). Portanto, saltos de coronavírus para novas espécies continuarão a acontecer, e a frequência de spillover irá depender da proximidade entre indivíduos susceptíveis e contaminados (Plowright et al., 2017; Spear et al., 2018). Embora o coronavírus possa saltar diretamente de morcegos para humanos, a probabilidade é considerada baixa, especialmente em relação ao alto potencial de spillover de coronavírus entre espécies selvagens, notavelmente entre espécies de morcegos (Hu et al., 2015; Li et al., 2019).


Também há grande preocupação quanto à reversão do spillover de Sars-CoV-2, partindo dos humanos em direção às espécies silvestres (Lam et al., 2020). Sabemos que o coronavírus chegou ao Brasil “por meio dos aviões”, e até o momento circula apenas nos ambientes antrópicos. Mas existe o risco de Sars-CoV-2 saltar de humanos para hospedeiros intermediários que transitam entre ambientes antrópicos e silvestres, como pequenos primatas, morcegos e outros mamíferos, levando o coronavírus para as espécies selvagens (Lam et al., 2020). Esse processo poderia levar ao endemismo e circulação zoonótica do coronavírus em ambiente silvestre, que após processos de mutação e recombinação viral, poderia retornar (spillback) do ambiente silvestre para o antrópico como nova cepa, eventualmente se manifestando como uma nova doença parecida com a Covid-19, ou mais letal, como Sars e Mers.


Pela proximidade genética com humanos, conservacionistas e primatologistas têm manifestado preocupação com a vulnerabilidade dos grandes símios, como gorilas, chimpanzés e orangotangos, perante a alta possibilidade de spillover de Sars-CoV-2 a partir dos humanos, o que poderá dizimar espécimes em zoológicos e populações selvagens inteiras (Patrono et al., 2018; Gillespie; Leendertz, 2020). Embora em nossos biomas não haja grandes símios, com 118 espécies registradas, o Brasil é o país com a maior riqueza de primatas no mundo (Paglia et al., 2012). Assim, essa preocupação com relação à alta susceptibilidade de primatas em contrair Sars-CoV-2 também se aplica às nossas espécies. Alguns primatas brasileiros, como saguis e macacos-pregos, habitualmente circulam do interior para as margens de florestas, onde frequentemente interagem com humanos. Inclusive, em zonas altamente habitadas como a Região Metropolitana da cidade de São Paulo, saguis podem ser vistos circulando em condomínios residenciais, sendo alimentados por crianças e interagindo com animais domésticos. Na possibilidade de spillover de coronavírus entre primatas, esses aspectos ressaltam o risco de atuarem como vetores de duplo sentido, levando o vírus do ambiente antrópico para o silvestre, mas também trazendo-os de volta, em forma de novas cepas.


Outro grupo com espécies que circula entre ambientes silvestres e antrópicos é o dos morcegos. No Brasil, estimam-se existir pelo menos 167 espécies de morcegos, e mais de 30 espécies silvestres já foram registradas habitando áreas urbanas, e cerca de 40 delas vivendo em zonas periurbanas (Pacheco et al., 2010; Bernard et al., 2011). Segundo pesquisadores, registros entre 60 e 90 espécies de morcegos vivendo uma única localidade na zona neotropical não são raros de se encontrar, enfatizando o alto risco de spillover de coronavírus entre diferentes espécies de morcegos da fauna brasileira (Bernard et al., 2011).


Em zonas urbanas, morcegos costumam nidificar em forros de casas, onde também se encontram lagartixas, pombos, ratos, até mesmo marsupiais, os gambás (Valadas et al., 2016). Portanto, são espécies em estreita proximidade, inclusive com humanos, aumentando risco de contato com secreções, além da contaminação de utensílios e alimentos consumidos por humanos e de animais domésticos. Tantos os gambás quanto os ratos costumam revirar lixeiras, as quais podem ter resíduos contaminados com Sars-CoV-2. Portanto, uma rede de possibilidades de spillover emerge nas múltiplas interações entre mamíferos e humanos e ambiente antrópico.


Em zonas periurbanas e rurais, roedores e morcegos compartilham galpões onde se armazenam alimentos, grãos e se criam animais. Em forros e nas estruturas de teto das granjas é comum encontrarem-se ninhos e morcegos pendurados, cujos dejetos precipitam sobre os animais e seus alimentos. Também nas estruturas dos chiqueiros e dos currais, roedores e morcegos encontram local para nidificação, mas esses locais também armazenam os recursos alimentares explorados por morcegos hematófagos, como vacas, porcos e cavalos. Todas as três espécies de morcegos hematófagos se distribuem pelo Brasil (Diaemus youngii, Diphylla ecaudata e Desmodus rotundus; Santos et al., 2007). Considerando-se que a Amazônia possui a maior diversidade de morcegos (146 sp) e de primatas (94 sp) dos biomas brasileiros (Bernard et al., 2011; Paglia et al., 2012), a interiorização de Sars-CoV-2 no ambiente silvestre poderia tornar esse bioma o maior reservatório de coronavírus do planeta, gerando-se um cenário assustador para a biodiversidade e a humanidade.


A predação atua no controle populacional das espécies, de forma que a demanda por recursos esteja ajustada à oferta. Em populações muito abundantes, a susceptibilidade à emergência de doenças infecciosas é aumentada. Portanto, no prisma epidemiológico, os predadores agem em favor de suas presas quando regulam suas populações, pois também reduzem o potencial de emergência de patógenos na população (Holt; Roy, 2007). Dessa forma, se o coronavírus eliminar espécies silvestres do topo das cadeias tróficas (predadores), poderá haver aumento populacional de presas, o que poderá influenciar na emergência de outras doenças infecciosas.


Todos os biomas brasileiros sofrem com exploração ilegal e tráfico de animais silvestres, que estão entre os principais fatores de perda de biodiversidade no país. Nessas atividades, pessoas circulam das cidades ao interior dos ambientes silvestres, e poderão dispersar consigo a cepa de Sars-CoV-2. No contexto do coronavírus, além dos impactos que causam à vida silvestre, a caça poderá trazer ainda maiores riscos à saúde, considerando que os caçadores miram especialmente em mamíferos como paca, capivara, tatu e tamanduá (Constantino, 2018; Bragagnolo et al., 2019). Todas espécies potencialmente susceptíveis a Sars-CoV-2, especialmente os Xenartros (tamanduás, tatus e preguiças), parentes (filogeneticamente) próximos dos pangolins (Pholidotamorpha), ressaltando a possibilidade de caçadores agirem como potenciais vetores de coronavírus; e nesse sentido, também se incluem garimpeiros, madeireiros, posseiros, e pessoas cujas atividades envolvam circular entre zonas nucleares de florestas e cidades.


 



















Claire Salisbury em 27 Outubro 2016










Portal Amazônia, com informações da UFMT


 

Recopilado da rede para os seguidores do CCM, o Canal de Crissiumal.


Print version ISSN 0103-4014On-line version ISSN 1806-9592

Estud. av. vol.34 no.99 São Paulo May/Aug. 2020 Epub July 10, 2020

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