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Contatos e Mestiçagens - Parte 1

Por Antônio João Dias Prestes - Historiador, Mestre em História UFRGS.


Lâmina 1

Contatos e mestiçagens culturais

Um mundo plural e integrado desde muito antes da atual globalização: dominação, resistência, encontros, afastamentos, adaptação criativa, expansão, retração, assimilação e síntese

Este trabalho tem o seu enfoque principal centrado nos contatos entre diferentes sociedades, ao longo do tempo, e em espaços de diferentes amplitudes, e nos efeitos destes contatos e mestiçagens culturais, mas também étnicas, nos processos de transformação histórica, os quais, longe de seguirem uma direção pré-determinada, se fazem por mudanças, evolutivas ou revolucionárias, mas também por permanências. Cabe destacar que, mesmo não tendo o seu foco nas dinâmicas internas de cada sociedade, com respeito às relações de dominação e resistência, entre segmentos hegemônicos e subalternizados, estas relações se fazem presentes por meio de outras vertentes, como no papel desempenhado pelas crenças e instituições religiosas, entre outras. Mas o seu objetivo também é, sobretudo, contribuir para desmistificar certas noções que ainda se abrigam, no senso comum, e que, infelizmente tendem a se acentuar, em tempos de profundas crises com múltiplos vetores, como o atual, de existência de algo como uma superioridade inata de uma área ou sistema cultural, civilizacional em relação a outros, bem como a existência de diferenças e/ou de características "essenciais", quando o que o estudo criterioso da História mostra o contrário, ou seja, intercâmbios e mestiçagens, ainda que muitas vezes de forma assimétrica.


Lâmina 2

Primeira Parte

Da Revolução Neolítica no Velho Mundo às Conquistas Mongóis e Turcas e ao início das Navegações no Atlântico

Civilizações urbanas diferenciadas e dinamismo dos povos nômades nas áreas tropicais e temperadas do Velho Mundo (Isolamento total das Américas e da Oceania, e integração ainda esparsa com a África Subsaariana)

Ao menos com o nível de conhecimento histórico e arqueológico adquirido até o presente, as sociedades que se estabeleceram no continente americano tiveram uma trajetória de desenvolvimento em total isolamento em relação ao Velho Mundo, com a exceção pontual da chegada de algumas excursões, de caráter não permanente, de exploradores nórdicos, na costa atlântica dos atuais Canadá e Nova Inglaterra (EUA), por volta do ano 1000 d.C. Por outro lado, uma parte da Oceania, incluindo os arquipélagos de Páscoa, Taiti e a Nova Zelândia, foi colonizada, no período que antecedeu às grandes navegações chinesas e europeias, por populações malaio-polinésias, as quais também se estabeleceram na ilha de Madagáscar, na costa do Índico sul da África. E na Austrália uma população lá estabelecida há cerca de 50 mil anos, formando uma sociedade de caçadores-coletores, os aborígenes australianos, viveu, acredita-se, em total isolamento, até a chegada dos europeus à ilha-continente, no século XVIII.


Lâmina 3

Inícios: de finais do Paleolítico Superior às civilizações urbanas da Primeira Antiguidade no Velho Mundo

Como podemos ver nesta tábua de tempo, dentro do conhecimento histórico e arqueológico existente até os dias de hoje, as primeiras formações de sociedades sedentárias, com a produção de excedentes agrícolas que permitiram o estabelecimento de diferenciações de classes, entre sacerdotes/guerreiros/realeza, artífices e agricultores/criadores, com a consequente formação de Estados e de cidades, se deu no entorno dos férteis vales do Nilo, no Egito, e do Tigre e do Eufrates, na Mesopotâmia, em torno do 5° e 4° milênio a. C., possivelmente com uma difusão inicial desta região para a do Nilo. O estabelecimento de sociedades similares, com base na agricultura no entorno de vales férteis, e, muito possivelmente, pela difusão de técnicas desenvolvidas nesta área inicial, se deu nos milênios seguintes, no vale do Indo, atuais Índia e Paquistão, e do Rio Amarelo (Huang-Ho), na China. Nas Américas estes processos se desenvolveram de maneira autônoma, desde a chegada das primeiras populações ao continente.


Lâmina 4

Por que a transição aconteceu primeiro no norte do Velho Mundo? Prováveis causas

Um dos problemas ainda por ser totalmente esclarecido, nos campos da História, da Arqueologia e da Antropologia diz respeito aos fatores que levaram algumas sociedades humanas a fazerem a transição, parcial ou total, de uma estrutura centrada na caça e na coleta de alimentos para outra centrada no cultivo e/ou pastoreio, com a domesticação de algumas plantas e animais. Do que se tem um certo consenso é de que a escassez e a incerteza na obtenção de fontes alimentares, decorrentes de alterações climáticas, no período que sucedeu à última glaciação, serviu como incentivo, em algumas regiões e populações, para a busca de opções mais confiáveis, como o cultivo e armazenamento de alguns grãos e raízes, bem como para a domesticação de alguns animais, para o suprimento de leite e carne, além dos cães, já usados para a caça, como auxiliares do pastoreio, e dos gatos, para proteger os celeiros dos roedores, e de animais para tração. E o próprio aumento demográfico propiciado pelo cultivo e/ou pastoreio veio a servir como pressão no sentido desta mudança. É importante destacar, no entanto, que a mesma nem se tratou de uma evolução determinada a priori, inescapável, e nem tampouco, e principalmente, significou, necessariamente, uma melhora na qualidade de vida, muitas vezes o contrário, embora, de modo geral, tenha levado a uma maior estratificação social, como resultado da geração de excedentes, que permitiram a formação de extratos dominantes em bases mais permanentes, de sacerdotes, guerreiros e formas de realeza. Já com respeito ao fato da transição do neolítico para as primeiras civilizações urbanas, incluindo o desenvolvimento da metalurgia do bronze e do ferro, e seus usos, ter ocorrido primeiro na faixa subtropical e temperada do Velho Mundo, no hemisfério norte, bem como do pleno desenvolvimento do plantio, que o procedeu, é associado por autores como Jared Diamond (Armas, Germes e Aço), a fatores de ordem geográfica e ecológica, entre os quais a existência de uma enorme extensão continental, do Atlântico, norte do Índico ao Pacífico, nas mesmas latitudes, favorecendo a difusão de uma maior variedade de cereais e outras plantas cultiváveis, ao contrário do que ocorre nas Américas e na África ao sul do Deserto do Saara, onde há menores extensões de terra em mesmas latitudes e climas, pois se estendem muito mais no eixo norte-sul. Ao lado disso, a Eurásia, com a África do Norte, foram favorecidas por uma presença muito maior de grandes mamíferos domesticáveis, para carga, leite e carne, do que o Novo Mundo e a África subsaariana. Um outro fator relevante, no que se refere às Américas, foi o seu povoamento tardio, o qual, partindo do extremo-nordeste da Eurásia, através do Estreito de Bering, só foi concluído há cerca de 15 mil anos.

Lâmina 5

A Idade do Ferro e a Revolução da Cavalaria, no Primeiro Milênio a.C.

As populações de pastores nômades, situadas em imensas áreas de estepes no interior da Eurásia, que se estendem da atual Ucrânia à Mongólia, viveram sempre em contato e mantendo trocas, tanto de tecnologias como de ideias e crenças, com as sociedades sedentárias e parcialmente urbanizadas, que se concentravam nos vales do Oriente Médio, Índia e China. E promoviam adaptações criativas do uso dos utensílios de ferro, principalmente no armamento, além de serem exímios cavaleiros. E de tempos em tempos, sob os estímulos combinados de surtos de escassez e da visão das riquezas acumuladas nas sociedades sedentárias, lançavam-se em grandes deslocamentos, atacando e, por vezes, submetendo estas e suas organizações estatais. Assim, no período entre o final do Segundo Milênio, e meados do Primeiro Milênio a.C., houve, entre outros, o deslocamento de grupos de fala e cultura indo-europeia, tanto em direção à Europa, como os micênicos e helenos, além de celtas e latinos, como em direção à Mesopotâmia, ao Mediterrâneo Oriental e ao atual Irã, além das bacias do Indo e do Ganges, no subcontinente indiano. Mas também de populações de fala e cultura turco-mongólica, em direção aos férteis vales dos rios Huang-Ho e Yangtzé, na parte centro-oriental da China. E a disseminação da metalurgia do ferro tornou mais acessível o uso de armas, como lanças, sabres, machados e espadas, em relação ao período anterior, do bronze, possibilitando um alargamento da base social das sociedades, e as tornando um pouco menos aristocráticas.


Lâmina 6

Da Antiguidade “Clássica” ao fim da Idade Média Europeia: da Era dos Estados Universais ao início da integração transoceânica

As periodizações adotadas, por vezes, na História, têm sempre um grau de arbitrariedade e subjetividade, e, mais que isso, um viés etnocêntrico. Este é o caso, aqui, do conceito de Antiguidade Clássica, para o período que vai, aproximadamente, do VI século a. C. ao IV século d. C., no qual, no oeste do Velho Mundo, se desenvolveu a civilização helênica, e seus desdobramentos, os mundos helenístico e romano, e suas realizações no campo da filosofia, como também da evolução do Judaísmo e do surgimento do Cristianismo, sob as influências combinadas de antigas crenças da região, do helenismo e da religiosidade iraniana. Nas outras regiões do Velho Mundo, o desenvolvimento de civilizações que também são definidas como clássicas, ocorreu em momentos próximos, como foi o caso da iraniana, a partir do Império Aquemênida e da religião zoroastriana, da indiana, com o estabelecimento do Hinduísmo e do Budismo, e dos impérios Máuria e Gupta, e da chinesa, a partir de sua primeira unificação, com a dinastia Zhou, seguida, mais tarde, pelo Império Han, e da criação da doutrina ética-religiosa confucionista e da religião taoísta. Este período foi, grosso modo, o primeiro em que se desenvolveu uma maior integração entre os vários polos civilizacionais do Velho Mundo, com os inícios da Rota da Seda, uma via para a difusão de mercadorias, gentes, ideias e crenças religiosas. Os contatos das sociedades sedentárias com as nômades se intensificaram, culminando com uma nova era de grandes invasões e migrações, a partir do século IV d. C., que alterou populações em vastas áreas da Eurásia, bem como abalou os alicerces dos seus Estados Universais, dando início, no Oeste, à Antiguidade Tardia, e, mais adiante, ao seu Período Medieval. Com o surgimento e rápida expansão do Islã, a partir da sociedade arábica, em direção à África do Norte, Mediterrâneo e Ásia Central, com a migração do Budismo para o Extremo-Oriente e Sudeste Asiático, para o qual também se expandiu o Hinduísmo, e com a expansão do Cristianismo na Europa, mas também em partes da África e da Ásia, se estabeleceu um novo cenário no Velho Mundo, de equilíbrio, contatos e rivalidades entre polos civilizacionais-religiosos, em meio a novas ondas de migrações e assaltos dos povos nômades, culminando com a avassaladora expansão do Império Mongol, no século XIII. Nas Américas, um processo já milenar, levou ás civilizações clássicas nas regiões mesoamericana e andina, com Teotihuacán, Iucatã (Maias) e Tiahuanaco, entre 300 e 900 d.C., seguidas, já próximo da chegada dos invasores europeus, da formação dos grandes Estados Méxica (Asteca) e Inca (Tawantinsuyu), o primeiro no Altiplano Mexicano, o segundo na Cordilheira dos Andes.


Lâmina 7

Expansão da Idade do Ferro no Velho Mundo (Europa, África Subsaariana, Extremo-Oriente)

As tecnologias para a fabricação e o uso de utensílios feitos de ferro, iniciada na região do Oriente Médio, notadamente no âmbito do chamado Império Hitita (originado na Anatólia, atual território asiático da Turquia), na virada do II para o I milênio a. C., expandiram-se, com maior ou menor velocidade, para as regiões vizinhas, tanto entre as sociedades sedentárias quanto entre as nômades, chegando alguns séculos depois à China, à parte centro-ocidental da Eurásia, na expansão das culturas de língua indo-europeia, como as dos celtas, germanos e citas, entre outras, e alcançaram a África Subsaariana, na região do Vale do Níger, por volta dos séculos V a II a. C., sendo também um fator importante para a dominação do subcontinente pelos invasores de cultura e fala indo-europeia, os árias. Nas Américas, até a chegada dos conquistadores vindos da Europa, a partir de 1492, a metalurgia só foi empregada para a confecção de ornamentos e objetos artísticos e religiosos, em prata e ouro, principalmente.


Lâmina 8

Impacto da metalurgia na religiosidade: deuses-ferreiros e do fogo no Velho Mundo

Os sistemas de mitos e de crenças religiosas de todas as sociedades humanas, desde os primórdios, guardam uma forte relação com seus sistemas produtivos e de organização social e política. Assim, na medida em que se difundiu o uso da metalurgia, primeiro do cobre e do bronze, depois do ferro, os panteões de diferentes populações, em várias partes do mundo, passaram a incluir divindades relacionadas ao seu domínio, associado, também, ao domínio do fogo, e, por vezes, como no caso do Japão, país particularmente assolado por vulcões e terremotos, ao controle destes fenômenos naturais. Entre estas muitas divindades e/ou espíritos ligados ao domínio dos metais e do fogo, estão o deus Hefesto, do panteão olímpico grego (equivalente a Vulcano, em Roma), Loki, entre os germanos, Lug, dos celtas, Agni, entre os árias e hinduístas, Adur, entre os iranianos, Ptá, entre os egípcios, Hadúr, entre os magiares, Kothar, entre os cananeus, Ogum, entre os povos da África Ocidental, como os iorubas, e Kagutsuchi, no antigo Japão.

Lâmina 9

China, Pérsia e Mediterrâneo na metade do 1° milênio a. C.

Entre finais do VI e início do V séculos a. C., o Velho Mundo apresentava um cenário de maior agregação em seu centro, com o apogeu do Império Aquemênida, formado pela fusão de dois povos iranianos, os medos e os persas, e de maior instabilidade em seus extremos. No Oeste, a florescente civilização helênica ainda não se constituíra em um Estado único, dividida entre suas muitas cidades-Estado (as polis), e a dos fenícios ainda se agregava em torno da cidade-Estado de Cartago, e sua área de influência nas margens sul e oeste do Mediterrâneo. No Leste, a Índia ainda não se unificara, depois da invasão ariana, e a China voltara a se dividir, depois do período imperial da dinastia Zhou, em diversos Estados rivais. E as partes já dominadas por sociedades sedentárias do Velho Mundo passaram a ser interligadas por uma via precária, usada pelos povos nômades, e conhecida como Trilha dos Citas.


Lâmina 10

O primeiro Estado Universal no centro-oeste do Velho Mundo: Império Persa Aquemênida

Todos os primeiros impérios constituídos no Oriente Médio, tanto no Egito como na Mesopotâmia, nos vales férteis dos rios Nilo, Eufrates e Tigre, se viam como Estados universais, e representantes únicos do mundo civilizado, cercados de bárbaros, embora haja o registro de relações não apenas comerciais, mas também diplomáticas, entre os Impérios Egípcio, Acadiano (Babilônico), Assírio, Hitita e Caldeu (Neobabilônico), em diversos momentos. O que permite definir, no entanto, o Império Aquemênida como o primeiro Estado universal, é o fato dele ter abrangido, pela primeira vez na História, territórios e populações das três partes do Velho Mundo (Ásia, África e Europa), estendendo-se da África do Norte ao Vale do Indo, e da costa oeste do Mar Negro às estepes da Ásia central. Ao lado disso, além de manter um sistema burocrático muito bem estruturado de governo das suas províncias, aliando firmeza com relativa tolerância, incluindo o uso de várias línguas para a administração, o seu governo tinha como fundamento ideológico e legitimador uma religião universalista, o Zoroastrianismo, nisto divergindo dos Estados anteriores, cujos panteões continham, em geral, apenas divindades associadas às cidades e povos dominantes.


Lâmina 11

Alexandre Magno e o Período Helenístico: do Mediterrâneo à Índia

As conquistas de Alexandre Magno, no final do século IV a. C., integraram de uma forma duradoura um amplo espaço, que se estendia do Egito à Ásia Central, e do Mediterrâneo ao subcontinente indiano. A unidade do Império de Alexandre não resistiu à sua morte, sendo logo dividido entre seus principais comandantes, como Selêuco, que ficou com a parte asiática do Oriente Médio, e Ptolomeu, que ficou com o Egito, mas o impacto da conquista foi muito transformador, tanto para o mundo helênico quanto para os novos súditos dos Estados sucessores, na África do Norte e na Ásia. Foram geradas novas sínteses culturais e religiosas, como a siríaca, que teve grande importância na formação do Cristianismo e em mudanças no Judaísmo, bem como na própria religiosidade e na filosofia dos antigos gregos, marcando um novo período, sincrético, que veio a ser conhecido como o Helenístico. Ao lado disso, a influência helênica se estendeu mais a leste e a norte, na Ásia, com o impacto cultural trazido pela chegada de governantes gregos ao poder em Estados de regiões como a do Gandhara, no que hoje são partes do Afeganistão e do Paquistão, o qual, somado à expansão para lá do Budismo, veio a gerar, durante vários séculos, uma criativa fusão da fé budista, surgida na Índia, com a arte helênica.


Lâmina 12

Intercâmbios culturais e sincretismo religioso no mundo helenístico

O encontro de uma civilização milenar, mas já exaurida, como a do Antigo Egito, com outra ainda em pleno desenvolvimento, como a Helênica, esta, por sua vez, também já impactada pelo contato com as sociedades conquistadas por Alexandre e seus generais, resultou em uma poderosa síntese nos campos da religião, das artes e também da ciência e da filosofia, que tiveram abrigo na magnífica Biblioteca de Alexandria, no Delta do Rio Nilo. E foi neste novo caldo de cultura, irrigado também com as contribuições da Pérsia, que o nascente Cristianismo encontrou não apenas formas de expressão, como concepções teológicas que o distinguiram, mais profundamente do que hoje um certo senso comum enxerga, do Judaísmo, por sua vez também influenciado por ideias vindas do Irã e da própria Grécia Antiga.

Lâmina 13

Uma aglutinação de culturas no Oriente Médio helenístico: a síntese siríaca

A região do Oriente Médio onde se desenvolveu a cultura siríaca engloba, principalmente, os atuais territórios da própria Síria, do Líbano, da parte sudeste da Anatólia (na chamada Ásia Menor, parte da atual Turquia), de Israel, da Palestina, da Jordânia e de partes do Iraque (vales médios do Tigre e do Eufrates) e da Arábia Saudita (a região costeira do Mar Vermelho). Era uma área habitada, desde há muito tempo, por povos de língua e cultura semítica, como os hebreus, cananeus e fenícios, mas também os árabes e os assírios e caldeus, e correspondente, em linhas gerais, ao chamado Crescente Fértil, espaço no qual a agricultura primeiro se estabeleceu no globo. Esta região, além das criações originais de suas sociedades, como o primeiro alfabeto, dos fenícios, e os primeiros estágios da religião judaica, ainda pouco diferenciada dos cultos locais, veio a absorver fortes influências, desde, pelo menos, os séculos VII a V a. C., do mundo helênico e da civilização iraniana, cujo primeiro grande Estado, o Império Aquemênida, a governou, deste período até sua derrota e conquista pelo grego macedônio Alexandre Magno, no século IV a. C. Estas influências se deram tanto no campo estético, como político e filosófico, mas as interações, que continuaram ao longo de todo o período helenístico, e depois, sob a hegemonia de Roma, se deram nos dois sentidos, podendo-se, deste modo, como mostra Arnold Toynbee, em seu Um Estudo da História, falar de uma verdadeira síntese siríaca.


Lâmina 14

Formação de um Estado Universal no extremo-leste da Eurásia: a unificação da China

O processo de unificação da China em torno de um único Estado, abrangendo, inicialmente, os vales dos grandes rios Huang-Ho (Amarelo) e Yangtzé, durou muitos séculos, até o estabelecimento do Império Han, no final do século III a.C., e envolveu avanços e retrocessos nesta direção. Uma de suas etapas cruciais ocorreu com o advento da Dinastia Zhou, que governou o país no Extremo-Oriente durante um longo período, primeiro com o Zhou Ocidental, de 1046 a 771 a.C., e depois com o Zhou Oriental, que durou até o final do século V a.C., e se caracterizou por uma rápida desagregação, culminando com os chamados Estados Combatentes, sendo a unidade do Império do Centro restaurada apenas com a chegada ao poder da Dinastia Qin, em 256 a.C., logo sucedida pela Dinastia Han. Um dos marcos principais do período Zhou foi a introdução do conceito de “Mandato Celestial”, usado pelos governantes desta dinastia para justificar a deposição dos soberanos anteriores, da Dinastia Shang, e o seu acesso ao poder imperial. Ao lado disso, neste período os governantes chineses começaram a adotar as doutrinas do filósofo Confúcio (Kúng-fu-tzú, 551 a 479 a.C.), visando o estabelecimento de padrões éticos e de justiça e harmonia nas relações sociais e na governança do Estado.


Lâmina 15

Os inícios da Rota da Seda, a ligação terrestre de mercadorias, gente e ideias no interior da Eurásia

Há evidências arqueológica de que os povos que viviam na China já dominavam a tecnologia de produção da seda, com o uso da secreção da larva de um inseto (o bicho-da-seda, Bombyx mori), desde os inícios do III milênio a.C., pelo menos. E os sinais de sua chegada às partes mais ao centro e ao oeste da Eurásia, incluindo a Índia, datam dos séculos VI e V a.C., durante o segundo período da Dinastia Zhou (770 a 476 a.C.). Nesta época inicial, o transporte e o comércio destes tecidos ainda era realizado apenas por uma via muito precária, a chamada Trilha dos Citas. A exploração mais sistemática do comércio da seda pelos chineses deu-se com o advento da Dinastia Han, já no século III a.C., inicialmente por próprios emissários ligados a missões diplomáticas imperiais, mas logo em seguida por mercadores estrangeiros (chamados Hu, pelos chineses), principalmente da Ásia Central, dos então territórios da Sogdiana, Kushan e Partia, de etnia iraniana. Nestes inícios da Rota da Seda, esses mercadores traziam das regiões a oeste, em caravanas com camelos atravessando desertos, oásis e montanhas e desfiladeiros, para a China, perfumes, joias e objetos de vidro, regressando com a seda chinesa. Este comércio trouxe riqueza para várias sociedades e centros urbanos dessa região, e, além do produto, houve sempre tentativas, não totalmente bem-sucedidas, de difundir suas técnicas de fabricação.


Lâmina 16

Consolidação imperial no Velho Mundo na passagem para o 1° Milênio d. C.: de Roma à China Han

O novo poder imperial no extremo-oeste do Velho Mundo e no Mediterrâneo se estabeleceu em Roma, depois que esta cidade-Estado de origem latina e etrusca, e imerso na civilização helênica, derrotou seus rivais na região, Cartago e Estados sucessores do império alexandrino, ao mesmo tempo em que a Dinastia Han reunificou e expandiu o Império do Centro (China), nos séculos finais do I milênio a.C., com o espaço entre estes dois Estados universais sendo ocupado por dois novos impérios, também com fortes heranças da conquista feita por Alexandre Magno. Na região da Pérsia e da Mesopotâmia, o Parta, iraniano, e, mais a leste, o Kushan, no qual ocorreu uma síntese inovadora das crenças budistas com as expressões estéticas helênicas, especialmente na região de Peshawar e Gandhara. Roma rivalizava com a Partia, e mantinha boas relações com o Império Kushan, ao passo que este rivalizava com o Império Han, que tinha boas relações com o Império Arsácida (parta).


Lâmina 17

As ligações religiosas da Eurásia e Norte da África até 500 d. C.

O século VI a.C. foi um período em que houve um florescimento de novas crenças religiosas, com um caráter mais universalista, e de sistemas e ideias filosóficas tanto especulativas da natureza, quanto formuladoras de princípios éticos de governo e convivência, de leste a oeste da Eurásia. Este florescer religioso e filosófico ocorreu em meio a mudanças significativas nas diversas sociedades deste vasto espaço, entre estas o final da existência autônoma dos primeiros grandes Estados, surgidos na Mesopotâmia e no Egito, conquistados pelo Império Persa Aquemênida, a consolidação do poder dos invasores indo-europeus no subcontinente indiano e o final da fase heroica da civilização dos helenos na Grécia e em suas colônias de povoamento nas costas do Mar Mediterrâneo. A religião criada pelo iraniano Zoroastro, em algum momento anterior, adotada como culto de Estado pelos imperadores aquemênidas, tinha um caráter fortemente dualista, crendo, no entanto, no triunfo final da luz contra as trevas, e teve forte influência nas crenças religiosas dos povos que viviam no Oriente Médio, entre os quais os hebreus, que, neste período, do chamado Cativeiro da Babilônia, viram surgir um grande profeta e reformador, o segundo Isaías. Na Grécia surgiu o pensamento especulativo-místico de Pitágoras e Tales de Mileto, entre outros. Na Índia, onde a religião hinduísta não cessou de evoluir e de fundir crenças pré-existentes na região às trazidas pelos árias, surgiu a figura de Sidarta Gautama, o Buda (o Iluminado). E na China, onde a religião do Tao (o Caminho), criada pela figura um tanto nebulosa de Lao-Tsé, já era praticada, surgiu o filósofo e doutrinador Confúcio. O Hinduísmo, embora não sendo uma religião missionária, veio a se expandir em grande parte do Sudeste Asiático, enquanto o Budismo, uma transformação do próprio sistema de crenças hinduísta, contemplando um fim ao ciclo de reencarnações das almas, se expandiu, por meio de propagadores, à China e à Ásia Central, e depois ao Japão e ao Sudeste Asiático, mas perdeu espaço na própria Índia. Por fim, o Zoroastrianismo, em sua versão mitraísta, se expandiu por várias partes do Império Romano, sendo o concorrente mais forte do Cristianismo, que só conseguiu superá-lo a partir da conversão do imperador Constantino, já no século IV d.C.


Lâmina 18

Da Índia para o Extremo-Oriente e Sudeste Asiático: Budismo e Hinduísmo

A civilização indiana, depois de revigorada com a síntese de contribuições das sociedades que viviam no subcontinente e dos invasores indo-europeus, que resultou no Hinduísmo, desde o chamado Período Védico, e também com a criação do Budismo, além das influências dos vizinhos iranianos e dos conquistadores gregos, de Alexandre Magno, iniciou um forte processo de expansão de suas ideias e crenças para vários espaços vizinhos, como a China, Tibete, Japão, Sudeste Asiático e Ásia Central. O Budismo chegou a ter uma hegemonia política na própria Índia, sob o Império Máuria, entre 322 e 185 a.C., que dominou os vales do Indo e do Ganges, com a conversão do imperador Asoca, que também patrocinou a sua difusão para o Sri Lanka e outras regiões vizinhas. No entanto, o Hinduísmo recuperou sua posição, consolidando-se como religião de Estado sob o Império Gupta, já no século IV d.C., deixando a crença budista como apenas residual no subcontinente indiano, situação que se mantem até os dias de hoje. E missionários e mercadores indianos, desde essa época, difundiram o Hinduísmo no Sudeste Asiático, especialmente no arquipélago que constitui a atual Indonésia (Java, Sumatra, Bornéu, Bali ...), onde se manteve como religião dominante até a chegada, séculos depois, do Islã.

 

Na próxima edição se apresenta a parte 2.

Antônio João Dias Prestes.

 

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